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Cineclube Patrícia Ferreira Pará Yxapy

Texto curatorial por Elen Linth
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O Cineclube Patrícia Ferreira Pará Yxapy é um lugar para pensar quanto ao aspecto do feminino no cinema. Na sua primeira edição, o cineclube busca proporcionar um debate acerca de filmes que trazem a perspectiva de gênero sob a ótica da mulher que vive no norte do país, da mulher trans, lésbica, bissexual e indígena. Discutindo mulheridades, suas representações e significados.

Ao fazermos um recorte de filmes que chamamos de confluências do encontro, encontro este, nem sempre em concordância ou similaridade, mas sobretudo, marcado por trajetórias conflitantes, ora em disputas constantes ora em convergências, pretendemos refletir sobre as diferentes formas possíveis de se construir as mulheridades, a partir da desconstrução de categorias fixas e de padrões preestabelecidos. Foi diante da câmera que a experiência do afeto, da resistência e da relação que nos possibilitou perceber que diferentes vivências de encontros também podem afetar nossa subjetividade.

 

E foi nessa perspectiva que pensamos o filme de abertura do cineclube que é assinado pela nossa homenageada, a cineasta indígena e professora Patrícia Ferreira Pará Yxapy, nascida na aldeia Kunha Piru, na Província de Misiones, Argentina. A fundadora do coletivo Mbyá-Guarani de Ci­nema abre a sessão com o filme Teko Haxy - ser imperfeita, 2018, que dirigiu junto com a artista visual, professora e pesquisadora Sophia Pinheiro.

O cineclube está concentrado em três programas, cada um dos três programas está organizado em torno de um eixo no sentido de promover entendimento entre as obras. São elas: A Vida Desse Meu Lugar, sessão Mulheres do Norte; Da Luta à (Re)existência, sessão Mulheres Indígenas e Preciso Dizer que Me Amo, sessão  Mulheres LBTQIA+.

A Vida Desse Meu Lugar é um programa em que são estruturadas, através de abordagens muito diferentes, o afeto como deslocamento de sentidos, ora ligado à lembranças ora à deriva em constante transformação. A abertura é feita pela Videocarta para Paixão (2020), último curta da amazonense Dheik Praia. A vídeo carta se alimenta da poesia, da saudade e do desejo de estar com sua mãe em um período pandêmico. Também nessa linha do retrato, íntimo, o documentário amapaense Utopia, 2021, da diretora Rayane Penha, traz a história de seu pai Raimundo Penha de uma forma sensível, poética e em primeira pessoa. A cineasta busca uma narrativa humanizadora para representar homens que se dedicam à garimpagem. O retrato familiar retorna com o filme mais antigo do programa, Ribeirinhos do Asfalto, 2011, dirigido por Jorane Castro, retrata a vida e a cultura ribeirinha, a única ficção da sessão é paraense e traz em seu elenco a atriz Dira Paes. O filme funciona como registro de mulheres ribeirinhas de comunidades amazônicas e sua tentativa de ajudar sua filha a estudar na cidade, apresentando o reflexo do patriarcado. O sonho do ouro volta a marcar presença com Montanha Dourada, 2019, de Cassandra Oliveira, retratando a corrida do ouro na Amazônia. O documentário de 54 minutos busca através de fragmentos de histórias dos encantados traçar um panorama geopolítico da exploração do minério a partir do Amapá. E para encerrar o programa, Transamazonia, 2019, é o quinto filme da sessão, das diretoras Renata Taylor, Débora Mcdowell e Bea Morbach. O longa paraense de 74 minutos faz um recorte do prometido progresso a partir da Transamazônica, trazendo Melissa e Marcelly numa relação ao mesmo tempo familiar e política, a partir de seus diferentes territórios.

Da Luta à (Re)existência é um programa mais narrativo, porém mais dolorido, ainda mais quando nos aproximamos de dados referentes ao assassinato de lideranças indígenas que lutam por seus territórios. Thakhi, 2020, é um filme ensaio da imigrante indígena Aymara, Natali Mamani, nascida na Bolívia. O filme faz alusão a acerca do passado e do presente da cultura indígena andina, tendo como dispositivo uma viagem à sua terra ancestral. Nakua pewerewerekae jawabelia, 2019, é um documentário experimental que discute o processo de colonização e genocídio dos povos indígenas. As diretoras Margarita Rodriguez Weweli-Lukana e Juma Gitirana Tapuya Marruá partem da performance ritualística para trazer à tona as dores de um povo e seus processos de cura. Fôlego Vivo, 2021, é assinado pela Associação dos Índios Cariris do Poço Dantas-Umari, é um documentário também experimental que problematiza a questão ambiental, refletindo sobre o processo capitalista de destruição da natureza e o mito da recriação do mundo.  Graciela Guarani traz os dois últimos filmes do programa, precisamente pelo nosso desejo de sobrevivência em tempos sombrios, os filmes sinalizam para um outro desenlace: de uma forma potente, a cineasta reflete sobre o momento histórico de incertezas em que estamos vivendo e o movimento de oposição dos povos indígenas. Parente – A esperança do mundo, 2021, é um acalento dos povos originários, no sentido da resistência para defender sua cultura e o seu modo de (re)existência. Kunhangue – universo de um novo mundo, 2020, traz a sabedoria de mulheres Guarani como processo de insubmissão e revigoramento das (re)existências ancestrais, transbordando uma transcendentalidade que oferece esperanças para um outro mundo possível de ser vivido.

Por fim, Preciso Dizer que Me Amo, sessão  Mulheres LBTQIA+ reúne filmes em que corpas lésbica, trans e bi apresentam-se como lugares de dor e de invenção, disputa e fabulação e de encontros e afetos. Marco, 2019, é um filme dolorido, em que sentimos junto a Isadora sua dor ao voltar à sua terra e a relação conturbada com sua mãe, o potente filme de Sara Benvenuto foi exibido no Festival de Brasília e concorreu ao Grande Prêmio Brasileiro de Cinema de 2020. Tea for Two, 2018, de Julia Katharine, que assina como diretora e roteirista, também atua como a personagem Isabela, é um importante marco na carreira da cineasta que discute padrões estabelecidos de relação e afeto. A Felicidade Delas, 2019, de Carol Rodrigues, discute a liberdade do corpo, desejo e ação poética num mundo violento que marca severamente mulheres negras. A potência do encontro de Quebramar, 2019, de Cris Lyra, que aborda através do amor, do afeto, da música e de um ambiente seguro, processos de subjetivação de mulheres lésbicas. Fechando o arco narrativo do programa e das sessões, está À beira do planeta mainha soprou a gente, 2020, em que o afeto, a resistência e o corpo estiveram presentes em diferentes imagens e discursos durante as sessões da mostra, Bruna Barros e Bruna Castro tecem um importante recorte do amor e afeto de duas mulheres lésbicas e suas mães, nos apresentando como possibilidade a Re(existência) de dias melhores diante do caos que vivemos.

 

Bons encontros!

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 Curadora do Cine Bodó, 2020; curadoria compartilhada do IV Lugar de Mulher é no Cinema/BA, 2019, da 2ª e 3ª edição e Cachoeira DOC, da Mostra Kirimurê, 2021; assistente de curadoria do Festival A cena tá preta, 2013. É diretora, roteirista, fotógrafa e produtora cultural. Sócia da Eparrêi Filmes e realizadora da Séries Transviar, Diversidade e Territórios, do telefilme Travessia e dos curtas Maria, Sandrine, Pra se contar uma história, Maré.

Sessão Homenageada - Patrícia Ferreira Pará Yxapy

Sessão Mulheres do Norte - A Vida Desse Meu Lugar

Sessão Mulheres Indígenas - Da Luta à (Re)existência

Sessão Mulheres LBTQIA+ - Preciso Dizer que Me Amo

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